domingo, 5 de novembro de 2017

O desafio brasileiro para tirar do papel seus compromissos climáticos

Por Elizabeth de Carvalhaes (*)
                                                                  
Em 2015, mais de 190 países firmaram um pacto mundial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e conter o aumento da temperatura média global em 2oC. Este acordo resultou em compromissos, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), que deverão ser colocados em prática a partir de 2020, obrigando governos a primar pela baixa emissão de carbono e consumir produtos e tecnologias mais sustentáveis.

Por isso, a 23ª Conferências das Partes (COP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que acontecerá de 6 a 17 de novembro, na Alemanha, e será muito importante do ponto de vista de conteúdo. Nela, as discussões para regulamentar e os mecanismos econômicos que ajudarão a sustentar financeiramente a empreitada mundial se intensificarão.

Nós, brasileiros, já conhecemos nossa metas: reduzir as emissões dos gases do efeito estufa em 43% frente a 2005; restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas; incentivar a integração de lavoura, pecuária e florestas (ILPF) em 5 milhões de hectares; zerar desmatamento ilegal; atingir 45% de energias renováveis ​​no mix brasileiro, sendo 18% em bioenergia; e expandir o consumo por biocombustíveis.

Durante os próximos dois anos e meio – o tempo é muito curto –, temos que definir como alcançar esta meta, quais serão os mecanismos de implantação e monitoramento. Para isso, é imperativo entender que este movimento não deve depender somente de recursos públicos, sob o risco desta conta acabar caindo no já prejudicado bolso do contribuinte. Então, como a conta será paga? Quais serão os mecanismos de mercado. Estima-se que o investimento para cumprir a NDC brasileira supere os R$ 750 bilhões, dos quais R$ 119 bilhões em reflorestamento para fins produtivos, R$ 51 bilhões em restauração florestal e R$ 50 bilhões em ILPF.

É necessária uma mudança cultural no pensamento de formadores políticos e de empresários. A agenda do clima deve ser encarada essencial no desenvolvimento socioeconômico e não apenas como uma pauta ambiental ou uma ação de marketing. Os setores devem caminhar na direção da economia de baixo carbono, valor que definirá mundialmente a indústria do futuro próximo.

Para incentivar a redução de emissão de CO2, pode-se penalizar tributariamente quem produz gerando impacto ao meio ambiente. Porém, em um país como o Brasil, com carga fiscal exorbitante, fica inviável sobretaxar a produção. Por outro lado, é possível trabalhar com ações positivas, criando impostos menores para a produção verde ou uma linha de incentivo a produtos renováveis.

Já há exemplos como a linha branca de eletrodomésticos ou o carro flex que têm impostos reduzidos. Mas será que o governo terá fôlego para entregar enormes linhas de crédito a custo muito barato, abrir mão de impostos e incentivar a economia verde?

Na assinatura do Acordo do Clima, o então presidente francês François Hollande afirmou que a precificação do carbono será a responsável pela implantação da agenda do clima. Atualmente, existem 40 regiões no mundo que já adotam esta precificação. O Brasil ainda não precifica, mas já realiza estudos preparatórios.

A conexão com investimentos privados é decisiva para o sucesso desta tarefa, mas como incentivar a indústria a colaborar com a redução do aquecimento global? Para o setor florestal é crucial que o valor do carbono seja plenamente incorporado nas decisões de investimento e na rotina de produção. Para isso, a precificação via mercados, é elemento essencial.

Outros avanços em processo de produção com ganho ambiental também podem ser monetizados, mas isso só será possível com investimento e mecanismo de remuneração que o próprio Código Florestal já prevê. No papel, já temos um dos marcos regulatórios mais avançados do mundo. Falta ao Brasil regulamentar estes mecanismos para que de fato diferenciem a nossa produção sustentável.

Neste ano, Executivo e Legislativo estão ocupados com a recuperação da economia. Nada melhor que esta retomada ocorra em bases cada vez mais limpas e sustentáveis, fator que apoiará a competitividade. É preciso falar sobre a política nacional do clima e seus reflexos na inserção internacional do Brasil. É um tema transversal que deve envolver diversos ministérios - Agricultura, Indústria e Comércio, Meio Ambiente, Relações Exteriores, Fazenda e Ciência e Tecnologia. Vários setores, entre os quais a indústria de árvores plantadas, já estão envolvidos. Esta política de “Estado” precisa incorporar os mecanismos de mercado que sirvam como geradores de demanda para a nova economia, verde por definição.
               
O primeiro passo é o incremento do diálogo estruturado com o governo brasileiro, para aprofundar a discussão nos meios estratégicos de implantação, como o artigo 6 do Acordo de Paris, que trata da construção dos mecanismos de mercado e o Artigo 9, que aborda o financiamento. No caso do Artigo 6, vale frisar que a criação dos mecanismos globais de carbono é um processo complexo. Ainda que cada país desenvolva iniciativas domésticas, a eficácia diminui muito se a regra de um não “fala” com a dos demais. E o Brasil, com certeza, receberá investimentos de regiões que não poderão gerar a mitigação necessária em seus próprios territórios.

Temos amplas condições de realizar a transição para a economia descarbonizada. As políticas públicas brasileiras já reconhecem, conceitualmente, o potencial e as oportunidades. Porém, é preciso concretizar os estímulos que permitirão às empresas incrementar as atividades sustentáveis, para que todos os agentes envolvidos, incluindo o consumidor, possam se motivar a escolher produtos com efeito positivo no clima. Neste contexto, o governo deve encarar a floresta produtiva como um bem estratégico e valioso, que será moeda de troca com países do Acordo do Clima e gerará enormes receitas para a recuperação da economia brasileira.
(*) Presidente Executiva da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores) e presidente da Comissão de Meio Ambiente e Energia da International Chamber of Commerce (ICC) do Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário